Um pouco embalados pelo favoritismo que Fargo e True Detective reservam em casa, nos aventuramos na obra da escritora polonesa Olga Tokarczuk, “Sobre os Ossos dos Mortos”. Alguém mencionou sua semelhança com o tipo de história na qual algo bizarro acontece em uma pequena comunidade e, no embalo da investigação, descobrimos a explicação para um crime. As semelhanças, talvez, fiquem por aí.
Mas, não é exatamente em uma crítica ou resenha do livro que me inspiro aqui. O que me capturou foi a personagem-narradora. Dona Janina, como odiava ser chamada, não se identificava com seu nome, tampouco com sua condição e buscava uma forma de melhor explicar seu mundo, de dar sustentação àquilo que tanto a angustiava na existência. Assim como em sua antiga profissão, procurava construir pontes de sentido, mesmo que estas não levassem a lugar algum.
Na trama, Janina cria para si um lugar frente às dores do viver, suas “moléstias” — nome que dá ao sofrimento manifesto no corpo, como frequentemente se ouve na clínica. É uma posição que se mostra complexa pela forma como tenta forçar o saber que constrói – seja o da astrologia ou o da natureza – sobre uma realidade que insiste em ser opaca. É uma saída encontrada, uma resposta particular, ainda que trágica, ao mal-estar.
O livro se revela, assim, não apenas um instigante romance (des)policial, mas uma inteligente metáfora sobre a episteme. E nos provoca a pensar: como cada um de nós constrói o próprio saber para dar conta daquilo que nos escapa, que nos angustia e que, por vezes, nos deixa sem lugar?
Psicanalise #OlgaTokarczuk #SobreOsOssosDosMortos #LiteraturaePsicanalise #Invenção #CorpoeMente #Angustia #MalEstar #EscutaClinica #Reflexao